A ajudante de cabeleireiro Rosilda Magalhães, de 55 anos, sente tontura e mal-estar várias vezes ao dia. Com falta de ar, ela não consegue usar máscara, o que, na pandemia, a impede de fazer o básico, como ir sozinha ao mercado.
Rosilda tem um problema no coração que precisa ser tratado com uma cirurgia de troca de válvulas. Todos os exames já estão prontos desde o ano passado. Já são sete meses aguardando o retorno do hospital.
“Eu não estou trabalhando porque se eu faço algum esforço físico eu passo muito mal. O posto de saúde fica a três quarteirões da minha casa e eu não consigo ir andando. O médico diz que não tem remédio e eu tenho que parar tudo e deitar. Eu fico pálido e não fico mais sozinha, minha filha sempre está comigo”, contou.
Rosilda mora em Minas Gerais, o estado mais afetado pela crise no abastecimento de materiais usados em cirurgias cardíacas.
O levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular em 9 estados indicou que somente na capital mineira há 400 novos pacientes todos os dias na fila aguardando uma data para o procedimento.
Faltam válvulas, oxigenadores, próteses e materiais usados em cirurgias de ponte de safena e aneurismas. São dois os principais motivos da falta de insumos: a alta do dólar e a defasagem na tabela do SUS.
Dessa forma, os fornecedores não conseguem repassar sem prejuízo e os hospitais nem sempre conseguem arcar com a diferença, especialmente por causa da pandemia.
Segundo o presidente da SBCC, Eduardo Rocha, cerca de 60 mil procedimentos eletivos estão atrasados. Isso não só agrava o problema, mas coloca a vida do paciente em risco.
“O que acontece quando adia a cirurgia? O coração do paciente vai sofrendo no período e quando ele for tratado e resolvido ele vai ser operado em piores condições. Existem doenças cardíacas que podem cursar com o aumento da mortalidade pelo risco de morte súbita, por exemplo, as doenças coronarianas e a estenose aórtica. Adiar o procedimento é colocar o paciente em risco”, explicou Rocha.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular afirma que alertou o Ministério da Saúde em outubro de 2020, mas não obteve retorno. Das 60 mil cirurgias atrasadas, 40 mil deveriam ter sido feitas no ano passado.
O represamento dos procedimentos pode, também, sobrecarregar ainda mais o sistema de saúde pós-pandemia.
“Primeiro nós vamos ter o número enorme de gente represada, que não fez a cirurgia na hora certa e vai ser operada em piores condições. Nós vamos ter também pessoas que tiveram mortes nesse período, outros por terem comorbidade vão sofrer o Covid-19 com consequências maiores. Com certeza, essa cirurgia vai ser de mais risco. Possivelmente a mortalidade global da cirurgia cardíaca brasileira no ano que vem vai ser maior que nos anos anteriores da pandemia, porque vamos operar pacientes em piores condições”, disse Rocha.
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou à Rádio Bandeirantes que a compra de insumos é de responsabilidade das unidades de saúde e gestores locais.